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“EPT aprimora o setor cafeeiro com uma abordagem sustentável e inovadora”

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Novos retratos da EPT
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Crise climática

Curso técnico na região do Caparaó, no Espírito Santo, traz inovação para produtores

​​​​​O café é um dos produtos agrícolas mais importantes do Brasil pela sua relevância econômica, papel cultural e histórico. Nesse contexto, a formação de jovens profissionais ainda no Ensino Médio, por meio da Educação Profissional e Tecnológica (EPT), é essencial para atender às demandas locais e culturais, além de preparar uma nova geração de técnicos capacitados para enfrentar os desafios do setor. 

No coração da região do Caparaó, divisa do Espírito Santo com Minas Gerais, a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio (EEEFM) Bernardo Horta, em Irupi, um dos 16 municípios que compõem a região, se destaca pela oferta do curso técnico em cafeicultura. Jéssica Rosário de Souza Dutra, professora e coordenadora do curso, enfatiza a importância da formação técnica para os jovens estudantes da região. “Eles saem do Ensino Médio com uma formação profissional e uma bagagem diferente em relação aos outros”, analisa.  

​​​​​​​A região é conhecida pela produção de cafés especiais, como o café arábica. As cidades produtoras são, no Espírito Santo, Dores do Rio Preto, Divino de São Lourenço, Guaçuí, Alegre, Muniz Freire, Ibitirama, Iúna, Irupi, Ibatiba e São José do Calçado. E, em Minas Gerais, Espera Feliz, Caparaó, Alto Caparaó, Manhumirim, Alto Jequitibá e Martins Soares. Recentemente, os grãos desta área receberam a Indicação Geográfica (IG) pela Denominação de Origem (DO), uma conquista inédita para os produtores locais. Esse selo reconhecido nacionalmente aponta a reputação, qualidade e características vinculadas ao local, mostrando sua especialização na cultura do café e sua capacidade de produzir produtos diferenciados e de excelência. Olhando para esse cenário, o curso técnico de cafeicultura passou a ser ofertado na EEEFM Bernardo Horta. “Caparaó é famosa, nacionalmente e internacionalmente, devido às condições climáticas e do solo que são propícios para a produção do café. O curso traz grande impacto na sociedade, beneficiando tanto os produtores locais quanto os estudantes, que, em sua maioria, vem da zona rural e das lavouras de café”, afirma Jéssica. 

A professora conta como a história do café se relaciona com a história do país e como a EPT pode ser fundamental para reposicionar o país como referência na produção. A história do café começa na Etiópia, onde a planta é nativa. De lá, o café se espalhou para o mundo árabe, com registros de cultivo na Península Arábica datando do século XV. No século XVII, o café chegou à Europa e rapidamente ganhou popularidade. A Itália, em particular, desempenhou um papel crucial na disseminação do café, com a abertura de casas de café que se tornaram centros de atividade social e intelectual. 

No Brasil, o café tem uma trajetória longa, sendo uma das principais commodities do agronegócio brasileiro. Introduzido no país no século XVIII, o café rapidamente se tornou uma parte integral da economia e da cultura brasileira. “O café chegou ao Brasil por meio da Guiana Francesa e se disseminou pelas regiões que apresentavam condições favoráveis para o seu cultivo, como o sul do Rio de Janeiro e o norte de São Paulo”, conta Jéssica. Este cultivo se expandiu significativamente durante o período colonial e após a abolição da escravidão, consolidando-se como um dos pilares econômicos do país. O café não apenas moldou a economia, mas também influenciou a paisagem social e cultural. Durante o auge da produção cafeeira, muitas cidades cresceram e prosperaram, e a cultura do café se enraizou profundamente na vida cotidiana dos brasileiros.  

A importância do café no Brasil cresceu ao longo dos anos, e hoje o país é o maior produtor e exportador de café do mundo, responsável por cerca de 40% da produção mundial. Além disso, o café é uma das bebidas mais consumidas no Brasil, com um consumo per capita de aproximadamente 6 kg/ano.  

Apesar de ser o maior produtor, o Brasil ainda enfrenta desafios para ser reconhecido como um líder em qualidade de café. “O ensino técnico pode mudar essa realidade, preparando profissionais qualificados que possam elevar o padrão do café brasileiro no mercado internacional”, destaca Jéssica. 

O curso técnico em cafeicultura proporciona uma visão abrangente e prática do setor, desde a produção até a comercialização do café. Jéssica destaca a importância das atividades práticas no processo de aprendizado. “O curso aborda a questão de análise sensorial, classificação do café e todo o processo da cadeia produtiva da cultura”, acrescenta. 

As visitas técnicas são parte fundamental do curso. Os estudantes visitam propriedades rurais, laboratórios de análise de solos e eventos sobre defensivos agrícolas. “Levá-los para ver de perto as diferentes etapas da produção de café é crucial. Eles aprendem como o trabalho é feito na prática e podem aplicar esse conhecimento nas suas próprias atividades”, explica Jéssica. Além disso, eles também têm a oportunidade de cultivar diversas variedades de café em uma plantação dentro da escola. “Os estudantes fazem desde a preparação do solo até a análise dos frutos. Isso dá a eles uma visão completa e prática do processo produtivo”, conta a professora. 

As mudanças climáticas têm causado impactos significativos na produção de café, especialmente em Caparaó, que apresenta condições ideais para o cultivo do café arábica. O curso técnico de cafeicultura aborda esses desafios de maneira prática e teórica. “Estamos percebendo mudanças climáticas que afetam diretamente a qualidade e a produção. A floração fora de época e variações na temperatura têm resultado em grãos de tamanhos diferentes na mesma planta, o que prejudica a colheita”, observa Jéssica. “Discutimos práticas sustentáveis e eficientes que podem ser implementadas nas propriedades. Ensinamos a importância de técnicas como a cobertura do solo e a plantação de árvores frutíferas para melhorar a captação de carbono e a fertilidade do solo”, detalha. 

A professora observa que o café brasileiro tem buscado cada vez mais qualidade para atingir os consumidores, que em suas análises, estão cada vez mais exigentes. Segundo ela, essa mudança reflete uma crescente apreciação por cafés especiais. “A sociedade está mudando em relação ao café. O produtor que entrar no mundo de cafés especiais precisa ter essa noção, pois a qualidade começa desde o plantio”, diz. Essa demanda tem impulsionado produtores a investirem em técnicas aprimoradas de cultivo e processamento. “Hoje em dia, os cursos têm um olhar para a melhoria contínua da qualidade do café, acompanhando as inovações tecnológicas do setor”, comenta Jéssica. 

Como uma mulher em um setor tradicionalmente masculino, Jéssica enfrenta alguns desafios. Dentro do curso, ela é um exemplo inspirador para outras mulheres, mostrando que é possível ocupar espaços de liderança e exercer influência significativa na cafeicultura. “Existem preconceitos e estereótipos, como a ideia de que não somos tão capazes ou conhecedoras quanto os homens. Somos testadas a todo momento. É importante quebrar esses padrões, afinal competência e dedicação não têm gênero”, explica.  

Jéssica conta que, inicialmente, sua trajetória como professora não foi algo planejado, especialmente porque, como filha de professora, ela sempre conviveu de perto com os obstáculos dessa profissão. No entanto, ao assumir esse papel, ela sentiu a gratificação de ensinar e ver o retorno dos estudantes. “Levar educação, ensinar uma pessoa é muito gratificante quando há retorno do estudante sobre o que foi ensinado”, ressalta. Jéssica explica que a lembrança dos bons professores que a marcaram também a motiva a ser uma educadora dedicada. “Somos pessoas que eles vão lembrar lá na frente, então temos que ser bem minuciosos no que a gente fala”. Ela destaca a importância do aperfeiçoamento contínuo, pois as mudanças no setor exigem que os professores estejam sempre atualizados. “O tempo todo a gente tem que estar estudando porque tudo está se modificando o tempo todo”, afirma. 

Para Jéssica, a EPT emerge como um pilar para o desenvolvimento dos futuros profissionais da cafeicultura. “Através da formação técnica e da ênfase na consciência ambiental e inovação, a EPT aprimora o setor cafeeiro enquanto promove uma abordagem sustentável e inovadora, essencial para o avanço da cafeicultura no Brasil”, conclui. 

(Depoimento dado à equipe do Itaú Educação e Trabalho em junho de 2024)    

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